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quarta-feira, 1 de abril de 2009



Água e a fonte a jorrar para a vida eterna
João 4.1-42
Quando, pois, o Senhor veio a saber que os fariseus tinham ouvido dizer que ele, Jesus, fazia e batizava mais discípulos que João (se bem que Jesus mesmo não batizava, e, sim, os seus discípulos), deixou a Judéia, retirando-se outra vez para a Galiléia.
E era-lhe necessário atravessar a província de Samaria. Chegou, pois, a uma cidade samaritana, chamada Sicar, perto das terras que Jacó dera a seu filho José. Estava alí a fonte de Jacó. Cansado da viagem, assentara-se Jesus junto à fonte, por volta da hora sexta. Nisto veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber. Pois seus discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos. Então lhe disse a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim que sou mulher samaritana (porque os judeus não se dão com os samaritanos)? Replicou-lhe Jesus: Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: Dá-me de beber, tu lhe pedirias e ele te daria água viva. Respondeu-lhe ela: Tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva? És tu, porventura, maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, do qual ele mesmo bebeu e, bem assim, seus filhos e seu gado? Afirmou-lhe Jesus: Quem beber desta água tornará a ter sede; aquele, porém, que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede, para sempre; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna. Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água para que eu não mais tenha sede, nem precise vir aqui buscá-la. Acudiu-lhe Jesus: Vai, chama teu marido e vem cá; o que lhe respondeu a mulher: Não tenho marido. Replicou-lhe Jesus: Bem disseste, não tenho marido; porque cinco maridos já tiveste, e esse que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade. Senhor, disse-lhe a mulher: Vejo que tu és profeta. Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me, que a hora vem quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas, vem a hora, e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade. Eu sei, respondeu a mulher, que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier nos anunciará todas as coisas. Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu que falo contigo.
Neste ponto chegaram os seus discípulos e se admiraram de que estivesse falando com uma mulher; todavia, nenhum lhe disse: Que perguntas? Ou: Por que falas com ela? Quanto à mulher, deixou o seu cântaro, foi à cidade e disse àqueles homens: Vinde comigo e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Será este, porventura, o Cristo? Saíram, pois, da cidade e vieram ter com ele. Nesse ínterim, os discípulos lhe rogavam dizendo: Mestre, come. Mas ele lhes disse: Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis. Diziam então os discípulos uns aos outros: Ter-lhe-ia, porventura, alguém trazido que comer? Disse-lhes Jesus: A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra. Não dizeis vós que ainda há quatro meses até a ceifa? Eu, porém, vos digo: Erguei os vossos olhos e vede os campos, pois já branquejam para a ceifa. O ceifeiro recebe desde já a recompensa e entesoura o seu fruto para vida eterna; e, dessarte se alegram, tanto o semeador como o ceifeiro. Pois no caso é verdadeiro o ditado: Um é o semeador e outro é o ceifeiro. Eu vos enviei para ceifar o que não semeastes; outros trabalharam e vós entrastes no seu trabalho. Muitos samaritanos daquela cidade creram nele, em virtude do testemunho da mulher, que anunciara: Ele me disse tudo quanto tenho feito. Vindo, pois, os samaritanos ter com Jesus, pediam-lhe que permanecesse com eles; e ficou ali dois dias. Muitos outros creram nele, por causa da sua palavra, e diziam à mulher: Já agora não é pelo que disseste que nós cremos; mas porque nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo.

Ezequiel 47.1-12
Depois disso me fez voltar à entrada do templo, e eis que saíam águas debaixo do limiar do templo, para o oriente; porque a face da casa dava para o oriente, e as águas vinham debaixo, da banda direita da casa, da banda do sul do altar. Ele me levou pela porta do norte, e me fez dar uma volta por fora, até à porta exterior, que olha para o oriente; e eis que corriam as águas ao lado direito. Saiu aquele homem para o oriente, tendo na mão um cordel de medir; mediu mil côvados, e me fez passar pelas águas, águas que me davam pelos artelhos. Mediu mais mil, e me fez passar pelas águas, águas que me davam pelos joelhos; mediu mais mil, e me fez passar pelas águas que me davam pelos lombos. Mediu ainda outros mil, e era já um rio que eu não podia atravessar, porque as águas tinham crescido, águas que se deviam passar a nado, rio pelo qual não se podia passar. E me disse: Viste isto, filho do homem?
Então me levou, e me tornou a trazer à margem do rio. Tendo eu voltado, eis que à margem do rio havia grande abundância de árvores, de uma e de outra banda. Então me disse: Estas águas saem para a região oriental, e descem à campina, e entram no Mar Morto, cujas águas ficarão saudáveis. Toda criatura vivente que vive em enxames, viverá por onde quer que passe este rio, e haverá muitíssimo peixe, e aonde chegarem estas águas tornarão saudáveis as do mar, e tudo viverá por onde quer que passe este rio. Junto a ele se acharão pescadores; desde En-Gedi até En-Eglaim haverá lugar para se extenderem redes; o seu peixe, segundo as suas espécies, será como o peixe do Mar Grande, em multidão excessiva. Mas os seus charcos e os seus pântanos não serão feitos saudáveis, serão deixados para o sal. Junto ao rio, às ribanceiras, de uma e de outra banda, nascerá toda sorte de árvore que dá fruto para se comer; não fenecerá a sua folha, nem faltará o seu fruto; nos seus meses produzirá novos frutos, porque as suas águas saem do santuário; o seu fruto servirá de alimento e sua folha de remédio.


Cansaço: Jesus, cansado, faz uma parada junto ao poço de Sicar. O fato de ele se cansar é sinal de fragilidade, o que nos lembra sua encarnação. Jesus é uma pessoa de verdade. Mas ele é também mais que isso. Como o prólogo deste evangelho declara, Jesus é o Verbo feito carne. Como tal, ele habita entre nós. Portanto, há o lado positivo desse seu cansaço. Não só decorre da encarnação, como também é valorizado por ela. E isso tem conseqüências para os outros seres humanos, no sentido de que os seus cansaços, quaisquer que sejam, são enobrecidos e sagrados.
Sede: O mesmo pode ser dito da sede. A sede é a preocupação primeira de Jesus junto ao poço. Pedir água para beber é eminentemente humano, universal. O corpo humano depende de água. O pedido do Salvador mostra a sua semelhança a todo indivíduo humano que tem necessidade física. Ademais, confere dignidade a essa necessidade. Mas, a "sede" nessa passagem implica mais que mera necessidade corpórea. O cansaço pode ser um fardo resultante das atividades do dia. Mas a sede tem outras dimensões, assim como a água que sacia a sede.


Águas vivas: Vemos que se trata de algo mais que mero H2O. O assunto aqui são "águas vivas" que possuem um extraordinário poder para levar à vida eterna. E isso não é imaginação de comentarista moderno. O profeta Ezequiel já conhecia essas "águas vivas". A imagem serve de simbolismo também para Jesus junto ao velho poço. Beber da água daquele poço, assinala Jesus, terá de ser sempre repetido. Já as águas vivas que ele oferece, saciarão para sempre a sede de quem delas beber.

O templo de Ezequiel: Ezequiel, no seu tempo, teve visões de águas vivas jorrando da mais sagrada das fontes, o templo, coração de Israel. Correntes de água jorravam da parte debaixo do limiar do templo, bem como das suas partes laterais. Por serem abundantes e poderosas, essas águas formavam rios profundos que purificavam as águas poluídas e as tornavam produtivas. É uma visão antecipada das águas cristalinas da Nova Jerusalém da era que virá. O livro do Apocalipse nos fala das águas que saem "do trono de Deus e do Cordeiro" (22.1).
Lugares sagrados: Se, por um lado, Ezequiel viu o templo de Jerusalém como fonte de onde saíam as águas vivas, por outro, os samaritanos podiam com razão retrucar dizendo "E quanto a nós?". Porque eles se recusavam a aceitar Jerusalém como o centro sagrado por excelência. Não surpreende, pois, que a mulher junto ao poço comparasse os dois centros sagrados rivais. Seria o templo de Jerusalém o lugar certo para adorar, juntamente com os judeus? Ou seria melhor adorar no Monte Gerizim, conforme a tradição samaritana? Implícito aí, havia uma outra questão que se aplicava aos dois lugares sagrados: a preferência por um desses lugares devia necessariamente significar desprezo do outro? Ou será que, como talvez pensasse a mulher, só um dos dois lugares podia ser o verdadeiro lugar de adoração?
Adoração em espírito e em verdade: Jesus expressa sua preferência pela adoração no templo de Jerusalém porque "a salvação vem dos judeus". Todavia, mesmo considerando essa forma de adoração como um passo conducente à salvação, Jesus em seguida aprofunda o diálogo com a mulher e abre novas perspectivas. Na situação atual, nem os samaritanos, nem os judeus preenchem os requisitos para adorar a Deus como se deve. Não basta, para isso, ter um lugar sagrado; tampouco, ser uma nação santa. A adoração autêntica pressupõe ir além dos atos religiosos convencionais herdados. Requer inspiração e disponibilidade para ser inspirado. Só assim a adoração será "em espírito e em verdade". Trata-se de um projeto para o futuro, um ideal distante? Talvez sim, porque Jesus acrescentou que o tempo próprio está ainda por vir. Entretanto, contém implícito um desafio para o presente. Porque "vem a hora, e já chegou" (João 4.23). O paradoxo e a agudeza da frase estão precisamente nesta conjunção "e", que nos leva à urgência do presente e à exigência de uma resposta imediata.
O papel do Epírito: Obviamente, responder a essa exigência não é nada fácil. Menos ainda se dependemos exclusivamente de nossas limitadas forças. Todavia, a adoração "em espírito e em verdade" pressupõe a ação do Espírito, o Deus uno, porque "Deus é Espírito". É assim que o Salvador introduz uma nova dimensão na sua fala junto ao poço. O Espírito é a única força que gera e possibilita a adoração em espírito e em verdade. Não há outro sentido a dar às palavras concernentes à água viva que sai do poço. Quando João cita outras palavras de Jesus sobre águas vivas que fluirão dos seus seguidores, ele imediatamente acrescenta "Isto ele disse com respeito ao Espírito" (João 7.38-39). Não é por acaso que na Igreja Ortodoxa é comum invocar o Espírito com as palavras "Vem e habita em nós".


Sacramentos e símbolos: À semelhança de outros cristãos, e desde há muito, os fiéis da Igreja Ortodoxa expressam a imagem das águas vivas por meio de sacramentos e símbolos. Os símbolos são a parte visível do sentido profundo e inexaurível do ato sacramental. As águas do batismo, por exemplo, são santificadas pela invocação do Espírito Santo para que "faça morada" em nós. Assim, cada membro da igreja que se acerca da fonte batismal recebe a graça que emana daquela água viva e vivificante. Em anos recentes, tornou-se comum oferecer água benta para uso dos fiéis. Essa água pode ser aspergida sobre as pessoas ou sobre os alimentos. Dessa maneira, verdades que ultrapassam nossa compreensão adquirem certa visibilidade concreta; e podem então ser "definidas, aprendidas e digeridas interiormente".


Missão: Afinal, a mulher junto ao poço atendeu à exortação para adorar em espírito e em verdade? O que se sabe ao certo é que ela abandonou seu precioso cântaro e foi logo anunciar aos seus vizinhos as possibilidades que o visitante representava para todos eles. Ela estava persuadida de que a presença daquele personagem devia ser divulgada. Nisto consistia seu zêlo missionário. E a urgência com que ela cumpriu essa missão sugere que ela compreendeu de certa maneira as palavras do seu interlocutor.
Perguntas: A mulher junto ao poço tinha pouca consciência das limitações das perguntas que fazia a Jesus, mesmo quando essas perguntas pudessem ter um amplo significado. Apesar de formuladas de maneira simplista, suas perguntas beiravam, por assim dizer, o campo da sociologia, da topografia, da hidrologia, da arqueologia e da tradição bíblica. E graças ao seu interlocutor, ela foi, aos poucos, adquirindo iluminação e certa compreensão nova sobre tais questões. Suas perguntas, de início, podiam até entediar o interlocutor. Ocorre, porém, que elas foram levadas a sério e pontos cruciais foram detectados nelas, o que permitiu a ela avançar na busca da verdade. De fato, ela trouxe também alguma contribuição ao diálogo. Por exemplo, a persistência das suas perguntas merece admiração. Além disso, não fossem as perguntas feitas por ela, nós hoje não teríamos as respostas que temos. O fato é que, se a mulher samaritana tivesse sido retraída – aceitando comportar-se segundo as regras segregacionistas da sua época - ela jamais teria avançado rumo à verdade. Por sua parte, Jesus aceitou de bom grado dialogar com ela, mesmo sabendo que ela era "estrangeira", e sobretudo mulher; o que parece ter perturbado os discípulos.


Água com restrições?: A segregação não impediu Jesus de pedir água à mulher junto ao poço. Ele ignorou a opinião corrente de que os samaritanos eram ritualmente impuros e que seus utensílios domésticos eram impróprios para os judeus. No tocante à água viva, é obvio que Jesus não iria impôr restrições ao seu uso, o que seria contrário à noção da adoração em espírito e em verdade que ele apregoava. Mais tarde, em Jerusalém e no templo, Jesus confirmou e estendeu o convite a todos os sedentos: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba" (João 7.37).

Recursos esgotados: Jesus é o canal por onde vem a água viva e vivificante, em antecipação ao Espírito "que ainda não foi dado". Mas, cabe perguntar se houve algum tempo em que Jesus sentiu essa água esgotar-se nele. Há aquela exclamação na cruz que pode levar a pensar assim, embora essa circunstância não seja conclusiva: "Tenho sede" (João 19.28). Essa exclamação poderia ser um reflexo de sua condição física num momento específico. Daí a reação dos guardas presentes, e a disposição de Jesus em aceitar o que estes lhe deram de beber. Mas, acaso não teria a sua sede também um sentido mais profundo? Não seria ela reflexo daquela outra exclamação, ou citação, na cruz: "Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?" Esse é um dos momentos mais angustiantes da encarnação: Jesus revê sua própria vocação como Filho de Deus. A sede que ele sente parece contradizer os ensinamentos que ele dera junto ao poço. E ele mergulha no mais profundo abismo da angústia, para de lá sair vencedor.


Graça superabundante: Quando o livro do Apocalipse aborda a esperança da era que virá, ele nos mostra uma Nova Jerusalém onde toda sede será saciada. O autor começa essa parte de sua narrativa com a voz que diz: "Eu, a quem tem sede darei de graça da fonte da água da vida" (21.6), e, a seguir, reitera o convite: "Aquele que tem sede, venha" (22.17). No plano terreno, os novos aderentes da igreja podem ter ouvido essas palavras quando do seu batismo. Mas elas tem implicações muito mais amplas: a graça superabundante é livremente acessível a todas as pessoas.

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